sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Por onde anda a Propriedade?

Antepenúltimo encontro para a mostra, para finalizar o ano, para fechar um ciclo, agora vai dando um leve aperto no peito, que vai ficando mais forte com o passar dos dias, é a dor das perdas e ganhos, do vício de vir, de nos ver, do hábito de transformar.
Saindo da rotina de sorteios, Edgar, que no encontro anterior perguntou quais cenas eram mais próximas e quais eram mais distantes, já chega com as escolhas feitas e distribui, temos então um espaço de tempo para estabelecer o novo jogo.

As cenas uma a uma foram sendo apresentadas e uma a uma foram se perdendo em uma matéria morna, requentada, como se algo tivesse caído da carroça e ficado no caminho, muito se foi dito, sobre apropriação, verdade, aproveitar os elementos que já deram certo, mas me chamou muito a atenção o fato do tédio e da rotina retornar como um ciclo, um circulo, algo que assombra o teatro, afinal não temos nenhum apoio senão nós mesmo, uma frase absolutamente controversa pois se temos a nós, temos tudo o que precisamos, é só querer. É só querer? Não é tão simples assim. A retrospectiva desses exercícios me mostrou que quando estávamos começando a adquirir propriedade sobre as cenas de origem, formular algo que parecia uma matéria mais constante que também abriria possibilidades de estudo e de experimentação, foi exposto um cansaço, uma sensação de não aproveitamento, angustia de mais do mesmo. Então veio a revolução, morte a propriedade, não há mais personagem, tudo pode mudar, o Deus do acaso é quem dita as regras, passada a onda de desespero, realmente veio uma certa tranqüilidade, o rodízio se estabeleceu e percebemos, no outro o que poderia nos complementar, soluções, novos formatos, aconteceu sim. Mas tem alguma coisa estranha que... E eis que surge novamente a rotina, o tédio, para me confundir, tentei buscar explicações mil especulando sobre a opinião da formação, percebi que caí no erro de tentar entrar no inconsciente coletivo, tentar portar a voz do coletivo é como tentar ser um oráculo, ainda mais se tratando de uma diversidade gritante apresentada nesse grupo. Por isso resolvi expor algumas opiniões bem particulares sem medo de interpretações:
- Acredito que o rodízio de cenas foi fundamental para uma percepção maior das intenções e conflitos de cada cena, mas percebi que ele funcionou melhor quando foi sorteado um dia antes e tivemos um tempo para desenvolver o material, sei que o improviso em si já pode trazer pérolas mas sinceramente hoje não vejo condições de demonstrarmos o mesmo resultado em curto tempo, esse dia ainda vai chegar.

- Sinto que ao ser definido fim da propriedade foi abortada uma certa individualidade, esse material levantado é próprio, portanto pertence a esse encontro de pessoas que é a formação 12, e por ser um material autoral tem uma ligação íntima com quem desenvolveu, sinto no ar uma certa censura velada, em se falar da cena de origem como se pudéssemos ouvir a qualquer momento, - Você quer vir fazer essa cena? Hoje rasgo o horizonte do sempre depois e digo: SIM, eu gostaria de fazer minha cena de origem. E não vejo mau nenhum nisso. Mas não me limitem a esse desejo, muito mais do que isso eu desejo ter condições de desenvolver qualquer uma das cenas pois acho todas contundentes, e eu ficaria muito mais satisfeito em poder trabalhar qualquer cena que o acaso me der ao invés de mostrar um esboço do que poderia ser a cena, entendo que é apenas uma questão de escolha, não uma vontade de mostrar algo finalizado, pois acho que esta condição no teatro é inatingível, só acho mais abrangente para uma finalização de ano. Devido a essa falta de chão não conseguimos mais marcar nenhum encontro para desenvolver uma dramaturgia, talvez com a dificuldade de dar um elo as coisas. O mais engraçado de tudo e que a experiência tem me dito exatamente o contrário até agora, sempre que penso que aquilo será ruim ou é algo que não concordo a principio, se demonstra depois ser algo transformador, muito mais válido, onde acabei assimilando coisas que eu nem pensava, portanto confio muito também nos rumos tortos e nebulosos que a vida impõe que nos obriga a abrir verdadeiramente os olhos e não apenas ver, mas observar o que esta em nossa volta, um grande exercício de maturidade, mas expor é preciso, mesmo que tudo o que eu disse agora já não faça tanto sentido pra mim,Há algo de desprezível na fala, que após ser dito já morre. Tem morrido várias coisas em mim, e eu tenho morrido todos os dias ultimamente, pra tentar entender um pouquinho o que se passa na cabeça de uma pessoa quando ela morre, ofereço essa poesia.

NO elevador do filho de DEUS

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida

Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar vivo todo dia
Há dores que sinceramente eu não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas

Há porradas que não tem saída
há um monte de "não era isso que eu queria"
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação...
E quando penso que não
me vejo ressurgido no banheiro
feito punheteiro de chuveiro
Sem cor, sem fala
nem informática nem cabala
eu era uma espécie de Lázaro
poeta ressucitado
passaporte sem mala
com destino de nada!

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já to ficando especialista em renascimento

Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque eu não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesmo me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo...
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha...
Fico aí camisolento em estado de éter
nem zangado, nem histérico, nem puto da vida!
Tô nocauteado, tô morrido!

Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra ter depois um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda corta os cabelos
reinventa modelos
reencontra os amigos que fazem
a velha e merecida pergunta ao teu eu:
"Onde cê tava? Tava sumido, morreu?"
E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
de ex personagem falido:
- Não, tava só deprimido

Eduardo Gusmão
Protocolo do dia 21/11/08

Um comentário:

Eduardo Chaves disse...

Olá a todos

Na última terça feira estive assistindo o espetáculo Nekrópolis, apresentado na ELT. Fiz algumas imagens e postei no meu blog. Agora convido vocês a compartilharem desse momento. Acessem: www.evchaves.blogspot.com

Abraços

Eduardo Chaves
MSN: evchavesmsn@hotmail.com
Site: www.evchaves.com.br
Blog: www.evchaves.blogspot.com