Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco
Também não cantarei o mundo futuro
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins
O tempo é minha matéria, o tempo presente,
Os homens presentes,
A vida presente
Carlos Drummond de Andrade
Eis o protocolo...
Hum! Hoje é dia de começar a aula na praça! Que delícia!
Ah! Está garoando, que pena!
Bom, um chão cheio de possibilidades, apesar de um tanto frio, nos espera.
Saudemos o sol! A coluna como uma tábua até a cabeça.
Façamos a seqüência do aquecimento: ergue o corpo na ponta dos pés, desce devagar, cai para trás, gira o joelho direito pra dentro, pra fora, joelho esquerdo, dentro, fora, quadril pra direita e... Caramba! Ainda não consegui decorar a seqüência pra descrever no protocolo!
Vamos então para os diretores e seus textos.
Fiquem atentos: apresentar os textos já é uma ação cênica!
Vejamos as montagens!
Que noite maravilhosa! Creio que nos superamos! Nossa compreensão do exercício amadureceu e assim a realização dos mesmos.
Começamos na praça Rui Barbosa, mais pra dentro da praça, além da igreja. Uma arena invertida com bancos e árvores se transformou na vila de Itaretama, onde foi mostrado o “Homem Imortal” de Luís Alberto de Abreu. Eu, Alexandre, puxei a direção, com partipação de todos e assim construímos naquele espaço andreense um microcosmos do sertão de Minas, onde uma história popular foi contada na linguagem e tradição das ruas. O público foi chamado a se envolver no jogo e participar da revolução.
Do popular para o clássico, o grupo capitaneado pela Cláudia nos guiou pela praça contando “Antígona”, de Sófocles. Com grande poder de síntese, imagens fortes e marcantes e um excelente uso do espaço. A tragédia ocorreu numa praça que eu nunca havia visto! Repleta de símbolos que se encerram numa gruta pós-moderna.
Dor da antiguidade, dor da contemporaneidade. Fernanda levanta as imagens e sensações de Plínio Marcos em “Navalha na Carne”. Imagens fortes, belo poder de síntese, expressada na frase “(...) Que bosta de vida!”
A nossa realidade traz mesmo sofrimentos absurdos, coisas difíceis de explicar. Talvez nesse exato instante o que tenhamos a fazer é ficar “Esperando Godot”, na leitura trazida pelo Rafa. Onde as figuras não-personagens trouxeram silêncios precisos, repetições absurdas e, por isso mesmo, tão reais. Gestos caprichados que alcançaram o registro dessa vanguarda.
O palco italiano “montado” em frente à escola, acabou dificultando a audição das falas, já que elas competiam com os ônibus, carros e caminhões.
Vamos para o galpão novamente. Vanderson com presteza traz “Delicado”, de Nelson Rodrigues, muito enriquecido pelos figurinos e adereços, pela precisa marcação de ritmo ao tarol, pela beleza das imagens, verdade do jogo praticado pelo grupo e encantamento com o símbolo final: o enforcamento com o véu de noiva.
Venha então Murilo, cantar a tragédia política e humana de “Gota d´Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes. Cria-se o espaço para a densidade do drama de Joana, que a Maiara tão bem mostrou. O uso do espaço: escadas, planos e situações, coloriu o trabalho que seria ainda melhor se tivesse conseguido manter um ritmo mais seqüencial, sem tantos picos elevados seguidos de tempos mornos.
Por fim, o trabalho de todos, em montar e assistir, foi muito gratificante. A orientação para mantermos o foco das improvisações na ação e não na construção das personagens foi reiterado pelo mestre.
E a noite para mim ficou marcada de forma particularmente tocante quando a Fernanda contou da cena em que o teatro se confundiu com a realidade. Em que a moça da praça tocou Roya e Fernanda. Em que a dor dela superou a dor da tragédia. Em que a compaixão brotou, ainda que nada pudesse ser feito.
A cena em que a humanidade se complexificou. Isso nos torna mais gente. Mas a gente não pode carregar as dores do mundo. Nem tampouco ser indiferente a elas.
Devaneio meu:
“Como carregar o meu bilhete único no Terminal Amaral Gurgel sem ver e sentir por aquela criança que dorme jogada no chão frio, quase aos meus pés? E como não ficar confuso ao pensar a condição de trabalho dos rapazes que ficam trancafiados na cabine, exercendo mecanicamente suas tarefas alienantes e tirando graça das besteiras do cotidiano, apesar da criança.”
Voltando da lembrança, sem ter a pretensão de fazer julgamento moral. Vejam a situação do nosso mundinho, onde uma pessoa sofrida, que perdeu o controle de suas emoções, acaba sendo “útil” para a construção da movimentação da cena.
Eis um dos desafios humanos que nos é imposto no teatro: achar o equilíbrio entre sentir a dor do próximo, respeitar a dor do próximo, colaborar com a nossa arte no que for possível para dor o mundo menos doloroso e Ser Feliz, apesar da dor.
Alexandre Falcão de Araújo
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