sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Texto Os Brinquedos


Edu Gusmão

Os Brinquedos

Personagens
Aquele
Ele
Senhor Braços ( Boneco de madeira)
O Genitor ( Mãos expressivas )

Caixa onde Ele e Aquele foram enclausurados, lugar de memórias perdidas, orifício pelo qual recebem as coisas do exterior por alguém ou algo que chamam de O Genitor; Há também um boneco de madeira que Aquele manipula, denominado de Senhor Braços. O interior deve fazer supor que a arquitetura do lugar é bastante complicada, o máximo de luz possível, descalços porém de luvas.


Aquele anda pela caixa seguindo uma geometria, esta com o Senhor Braços e uma chave hereditária e pesada na mão, Ele vai atrás, expressão de desespero e tensão, Aquele tenta escolher um lugar pra sentar:


Aquele: Não devia!
Ele: Devia não.... mas e se for bem rápido...
Aquele: fora de cogitação...
Ele: Cogit... ação... quando olho me coça e...
Aquele: Como vamos lidar com isso agora?
Ele:Agora é isso...ou outra coisa...
Aquele: Você não entende, é possível ? como?
Ele: A gente coloca assim e gira ( mímica de colocar a chave )
Aquele: Tanto tempo e você nunca olhou no meu bolso .
Ele: (Firme)Nunca até agora.
Aquele:Como vamos lidar com isso agora?
( Sentam-se , Ele desenha bolinhas no peito do pé de Aquele, pausa)
Ele: Aquele, conta aquela estória de novo?
Aquele: Óbvio, sempre em momentos importantes você me pede pra contar essa estória!
Ele : Sempre, até agora.
Aquele: Até mesmo.
Ele: Gosto das palavras, me deixam acordado.
Aquele: Todas que a gente aprendeu.
Ele: Todas.
(Aquele começa uma narração efusiva )
Aquele: Primeiro veio essa luz, depois você deitado, com uma carinha confusa, depois o Senhor Braços, fui nomeado o guardião... ... disso aqui, então apareceu o Genitor ( os dois fazem um gesto simbólico ), sem ele estaríamos mortos e ou pior, daquele dia até hoje fazem então 7300 dias que existimos juntos! ( palmas )
(Ele corre para um vaso sanitário abaixa a calça e começa a defecar )
Ele: Você se lembra de antes ?
Aquele: Antes qual ? dia número 500, 1000, 3000, sei de cor o que aconteceu em todos os dias.
Ele: ( Faz força) Antes .... do primeiro ... dia.
Aquele: Oras, antes , antes não havia nada, é óbvio, e não tem importância se preocupar com o nada.
(Ele termina se levanta da privada , aliviado)
Ele: Isso não faz nenhum sentido!
(Aquele olha dentro do vaso sem entender)
Ele: (desafiador) como a gente aprendeu tudo o que sabe então?
Aquele: ( Fala com o Senhor Braços) Não ligue pra ele senhor Braços, é um ingrato, já disse varias vezes que foi você quem ensinou tudo que sabemos, ( como se ouvisse o boneco) sim , acredito!
Ele: Nunca ouvi uma palavra desse, disso, dessa coisa!
Aquele:(exasperado) Terrível, como você pode, e num dia só, primeiro pegou o artefato e agora coloca em dúvida o senhor Braços, Ele o que pretende fazer?
Ele: Não pretendo nada nunca! ( Aquele pega o livro código )
Aquele: Pois você violou a regra número 135.473 do código de regras do senhor Braços , que diz para não duvidar ... agora teremos que ficar falando assim ( piscam os olhos de forma intermitente) por uns momentos e ficar falando assim é ruim, deixa a gente meio zonzo.
Ele: Como? Assim?
Aquele: Isso, assim.
Ele: Durante quanto tempo?
Aquele: já chega!
( Ele avista do orifício surgir uma mão expressiva, súbito terror falso )
Aquele: O Genitor de novo, o que será que vem agora?AH não quero ver!
( A mão some por uns instantes e retorna com um prato com pedaços de chocolate cortados, ele toma coragem e se precipita a pegar o prato, desajeitado o investiga)
Aquele: ( Para o senhor Braços) Viu só? Ele ousou ir até o Genitor, muito estranho não acha?
Ele: Vem cá! Não quer me ajudar com isso?
Aquele: Se vire sozinho você está tão cheio de si.
Ele : ( Coloca o prato no chão e analisa ) Não estão vivos, parecem pequenos bloquinhos perdidos em um espaço rígido, e não irão sair daí nunca a menos que ...
Aquele: ( se aproxima) A gente faça alguma coisa...
Ele: A gente?
Aquele: O senhor Braços acha muito arriscado, então...
Ele: o que você sugere?
Aquele: Segure aqui. ( cada um segura de um lado do prato e rodam lentamente ) vamos ver ..
Ele: Me parece a mesma coisa .
Aquele: Vamos tentar ao contrário. ( rodam novamente )
Ele: Acho que voltamos ao mesmo lugar.
Aquele: Você é muito pessimista. ( Ele começa a sentir o aroma, de leve, depois começa a farejar com mais intensidade , até que fica inebriado e sem entender muito bem pega um dos pedaços e da uma mordida)
Aquele: ( grita) Nãaaao!! Imprudência , descontrole, você pode morrer!! E ...
Ele: Delicioso!
Aquele: Delicioso, você sabe que devemos dividir tudo, vamos ...
Ele: Não, você pode morrer!
Aquele: Pensei que queria saber mais sobre o artefato ...
(Ele coloca o outro pedaço na boca e mastiga com avidez, engole)
Aquele: Insolente, você da sorte que só existe esse lugar, se não eu e o senhor Braços deixaríamos você sozinho... estava mesmo delicioso? ( Ele faz que sim)
Aquele: Tive uma idéia, vem aqui, abre a boca, ( aquele da um beijo e rápido Ele se desvencilha) assim não, tem que fazer as coisas com vontade, abre ( Aquele da um beijo violento e intenso, Ele permanece de boca aberta sem entender o que houve) não é a mesma coisa, pode fechar agora.
( Os dois se encontram inquietos, começam a andar de um lado para o outro evitando os olhares quando se cruzam)
Ele: Estou tenso.
Aquele: Você Ele, me deixou tenso.
Ele : Precisamos fazer alguma coisa.
Aquele: Não tem outra saída, já diziam a muito tempo que o que dentro te mata, fora te salva! ( se encaminha para um canto) Você vêm?
( Ele o segue, de costas para a platéia, no canto, desabotoam as calças e se masturbam de forma ritmada, após ejacularem juntos, se viram, longo bocejo, caminham até o centro mas são interrompidos por uma nova investida da mão)
Ele: Nossa o Genitor apareceu de novo !
Aquele: Duas vezes no mesmo dia, que complexo !
Ele: Muito, eu vou ficar tenso de novo!
( A mão expressiva some por um tempo e retorna com uma bola , a segura pelo orifício, Aquele se lança na frente de Ele e pega a bola )
Aquele: É grande, ( vai morder) definitivamente não deve ser pra se comer!
Ele: Pode ser um novo animal!
Aquele: Tem o formato da cabeça do senhor Braços, o que quer dizer que ...
Ele: Talvez sirva pra fazer pensar.
Aquele: O Genitor deve estar querendo que a gente encontre uma solução para o artefato. ( Eles pegam a bola e a colocam entre as suas cabeças, pensam)
Aquele: E então?
Ele: O que?
Aquele: Não sente nada?
Ele: Uma leve dor nas costas.E você?
Aquele: Que confusão, tudo estava perfeito até você resolver colocar a mão no meu bolso, Ele, porque teve que fazer isso?
Ele: Estava com frio. Porque temos que usar isso nas mãos.
Aquele: O livro de regras do senhor Braços diz que devemos proteger as mãos( coloca a bola no chão) Veja! Se move, talvez esteja querendo se comunicar.
Ele: Vamos fazer a dança da felicidade pra ver o que acontece.
Aquele: Nunca fiquei feliz com essa dança, mas pode ser que funcione.( Os dois fazem uma dança lúdica que começa com uma expressão bem triste que aos poucos converge para um largo sorriso, repetem a dança)
Ele: Pelo visto não é só com você que a dança não funciona!
Aquele: Vamos perguntar para o senhor Braços o que...( Ele toma a bola das mãos de Aquele e a joga na privada )
Aquele: Radical!!
Ele: Agora voltamos na mesma situação que no começo.
Aquele: Sinto que estamos perto do fim.( Se dirige ao boneco) O que?........ mas você acha que... ... entendo.
Ele: O que foi que isso...esse .... disse?
Aquele: O senhor Braços nos informou que finalmente esta na hora de tomarmos uma decisão sozinhos.
Ele: ( Desdenha) Sozinhos.
Aquele: Sim, sozinhos.
Ele: Sempre achei que nunca estivemos sozinhos, e se existir algo ou alguém fora, vai ver que o Genitor esta acompanhado, nos observando.
Aquele: Estar aqui é a forma mais radical de estar sozinho, as vezes parece que sinto vários olhos nos investigando( Os dois olham diretamente para a platéia ).
Ele: ( Gagueja) Aquele, pare com isso, estou começando a ficar muito tenso( tenta se esconder atrás de Aquele)
Aquele: ( Falso tom de normalidade, sorriso): Fique tranqüilo, é só agir normalmente e respirar que a sensação vai passando,( respiram e agem normalmente ) viu só!
Ele: Isso tudo deve ter ligação com o artefato, acho que teremos que decidir se vamos ou não usá-lo( Segura a chave) Preciso que o senhor Braços me responda( se dirige ao Boneco, o segura e o coloca perto do ouvido, surpreso) Aquele, consegui ouvir agora, é fantástico!
Aquele: Como é possível, eu não estou ouvindo! O que ele disse?
Ele: Que vai ir embora, não agüenta mais esse lugar, que ele pode e nós vamos permanecer aqui!
Aquele: É o fim, nunca saberemos a resposta!
( Surge a mão expressiva, some e reaparece com duas máscaras neutras )
Ele: Já sabemos o que fazer então!
( OS dois pegam as máscaras neutras colocam de costas para a platéia, Ele segura o boneco e Aquele com as mãos constrói asas ao mesmo, é feito então de forma sutil e pausada o boneco levantar vôo, indo do chão até bem próximo da platéia, a cena se suspende)

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